O rap nacional que não está nos livros

O rap nacional que não está nos livros

Por Pedro de Luna

O dia do rap nacional renderia inúmeros textos, mas como esse blog é de uma editora, sugiro pensarmos no espaço dedicado ao gênero na literatura brasileira. Olhando a minha estante de livros, localizei pouquíssimos títulos.

Acho que dei boas contribuições com as biografias “Eu sou assim Eu sou Speed”, “Brodagens – Gilber T e as histórias do rap e do rock carioca” e Planet Hemp mantenha o respeito – um calhamaço de 496 páginas lançado pela Belas Letras, mergulhando na trajetória da primeira banda nacional a misturar rock com rap.

iMAGEM: dIVULGAÇÃO bELAS lETRAS

Além desses três, só achei mais quatro livros por aqui: “Ideias que rimam mais que palavras”, do Rashid, e “Sobrevivendo no inferno”, sobre o clássico disco homônimo dos Racionais MC´s, ambos lançados em 2018, e, vai lá, “Vamos fazer barulho”, do Bruno Levinson sobre o Marcelo D2, de 2007.

O mais recente, “Assim que é: a história do RZO”, é uma biografia independente de 368 páginas publicada pelo bróder Jeff Ferreira no ano passado através do coletivo Dando a Letra, formado por ele em Jaguariúna (SP), o Gagui IDV em Pelotas (RS) e o Paulo Brazil em Salvador (BA). Se não me engano, o Jeff é o cara que mais escreveu livros sobre o rap brasileiro. E ele ainda edita o site Submundo do Som.

Procurando com ainda mais afinco pelas prateleiras, tirei a poeira de um exemplar de “1976 Movimento Black Rio” (2016), viabilizado através da Natura Musical, mas que vergonhosamente continua aqui na fila para ser devorado.

Soube que recentemente o MV Bill lançou a sua biografia, mas ainda não tenho, assim como as do Sabotage, DJ Raffa e Nelson Triunfo. Tento vasculhar na minha mente e lembro que o Emicida e o Gabriel O Pensador já escreveram livros infantis, mas eles próprios ainda não foram biografados.

De qualquer forma, para alguém que como eu adora livros sobre música, é muito pouco. E por que não se publica mais livros sobre o rap nacional?

fOTO: Lucas Benevides

Sinceramente não acredito que falte público interessado ou artistas interessantes, e sim tempo e dinheiro. Porque escrever e publicar livros demanda basicamente essas duas coisas. Como diz o mantra da vida moderna, “time is money”.

Escrever uma boa biografia, com apuração aprofundada e responsabilidade, dá muito trabalho. No meu caso, em geral cada uma me consome dois anos de dedicação exclusiva. Sendo que esse período de pesquisa, entrevistas e redação não costuma ser remunerado. Após finalizar o texto, ainda entram em cena profissionais de edição, revisão, design, marketing e da área comercial. Além, claro, da gráfica e, em certos casos, da distribuidora.

Mas a questão mais delicada é realmente a do financiamento para o projeto. Eu mesmo já fiz duas propostas para livros que adoraria publicar: a dissertação de mestrado “Hip Hop, negritude e território: BH Canta e Dança”, do querido MC Roger Deff, e a biografia da banda Pavilhão 9. Ambos ainda não saíram do papel por falta de recursos financeiros.

“Ah, Pedro, mas existem os editais e as leis de incentivo!”. Existem, e já inscrevi projetos de livros em vários editais – Proac, SMC SP, Natura Musical, SESC, Rumos, etc – mas ainda não fui contemplado. Sobre as leis, será que as grandes empresas querem mesmo se associar ao rap nacional ou apenas pegar carona nele para rejuvenescer as suas marcas e/ou promover os seus produtos e serviços?

FOTO: TATIANA GARRIDO

Recentemente, tentei um patrocínio junto à Adidas, que durante anos patrocinou o Charlie Brown Jr, para a minha biografia do Champignon – que além de baixista e fundador da banda foi, também, um dos maiores divulgadores do beatbox no país. O Champ gostava tanto da marca, que foi enterrado com uma camiseta e um tênis dela.

Localizei gerentes e diretores da empresa no Linked In, me apresentei e enviei mensagens. As cotas do crowdfunding iam de R$ 2.500 a R$ 10 mil. Não consegui sequer uma reunião, quiçá alguns reais.

Os governos falam em políticas públicas, em cotas, mas o que se vê são tentativas de taxar os livros, de implodir instituições como a Biblioteca Nacional, a falta de recursos e a desvalorização dos equipamentos culturais existentes. Quero sim ler mais livros de rap nacional, mas livros bons, bem escritos, com uma boa pesquisa e apuração detalhada, lindos de se ver e, se não for pedir muito, com preços acessíveis a todos.

Enquanto nada disso acontece, continuemos na escola do faça-você-mesmo, com todas as dificuldades e limitações existentes. Afinal, escrevemos por amor e pela vontade de preservar e difundir as boas histórias.

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